Dia 12/06/2023 fui expulso do Vimeo. Minha conta foi cancelada e todos os vídeos removidos. Isso significa que muitas (muitas) postagens aqui ficaram quebradas (sem vídeo). Nesta página eu tenho postagens que embarcam três plataformas de vídeos, o Tumblr para vídeos curtos, o Facebook para alguns vídeos mais antigos e o Vimeo para vídeos longos. Estes não aparecem mais. Já fiz uma conta no BitChute e, aos poucos, estarei colocando os vídeos do Vimeo de volta.
Anúncios
Diferentemente do Blogger, o WordPress entuba anúncios em todos os weblogs gratuitos. Não tenho responsabilidade sobre os anúncios aqui exibidos, não controlo o que é anunciado nem sou remunerado por tal publicidade. Prefiro assim.
Nada na internet é de graça! Se você não paga, alguém está pagando por você. Esta página está no ar usando os sistemas do WordPress, então nada mais justo que deixá-los ganhar algum trocado com isso.
WordPress’ politics
Conteúdo
Caso alguma postagem apresente hyperlink ”quebrado” ou mídia que não carrega, avise-me para eu reparar.
Vídeos no Tumblr
Vídeos colocados no Tumblr às vezes não carregam diretamente da página principal. Se isso acontecer, basta clicar no título da postagem para abri-la noutra aba de seu navegador e o vídeo carregará normalmente.
Minha recomendação de hoje é um filme do cinema independente da República Dominicana.
Eu considerei interessante por se tratar do que acontece com um homem quando é levado para além de seus limites.
Abaixo segue o filme e após um comentário sobre os eventos retratados.
Baseado em uma história real.
El Ebanista | Codigo de Barrio
SE CANSOU DOS ROUBOS E DECIDIU CAÇAR OS LADRÕES DO SEU BAIRRO | Não Adivinho
Daniel Román Guerrero era um marceneiro respeitado em seu bairro, mas após anos sendo ignorado pela polícia e assediado por uma gangue local, decidiu fazer justiça com as próprias mãos. Em 2022, protagonizou um massacre que terminou com cinco mortos e sete policiais feridos. A história chocou a República Dominicana e virou até filme. Neste vídeo, revelamos todos os detalhes desse caso que dividiu opiniões e levantou questionamentos sobre justiça, abandono e limites humanos.
Eu achei bastante interessante a iniciativa de fazer uma luta de uma hora em uma única tomada, sem cortes. É possível ver os erros de coreografia, a dificuldade de colocar a câmera em um ângulo que não faça sombra ao Sol, e o esforço do ator principal. Colocar uma luta final com técnicas tradicionais (cortes, tomadas de câmera lenta, efeitos etc.) salientou ainda mais a audácia do projeto.
Eu recomendo o filme. É um exemplo de que é possível sim fazer coisas novas num meio tão saturado.
Crazy Musashi marks the latest pairing between Tak Sakaguchi and Yuji Shimomura, and producer Ota Takayuki who now (re-)launches the project via his newly established WiiBER production banner, thanks in large part to the aid of up to 1000 crowdfunding donors last year. Sakaguchi leads the project, billed as a 77-minute single-take actioner, which sought its long-endured development through a series of changing hands and the actor’s own career troubles with management. (filmcombatsyndicate.com)
Released: 2020-08-21
Genre: Action
Casts: Kento Yamazaki, Tak Sakaguchi,
Duration: 93 min
Country: Japan
Uma mãe espartana entregando um escudo a seu filho. Jean Jacques François Lebarbier, 1805
Primeira parte – Anedotas sem graça
Eu sou um homem frustrado com a própria vida. Sou da geração que cresceu escutando que a gente iria mudar o mundo*. Que nós éramos a geração da tecnologia, que cabia a nós transformar o mundo num lugar melhor. Que nós tínhamos todas as oportunidades que nossos antecessores não tiveram. Que o mundo estava ao nosso alcance e que bastava querer para tornar nossos sonhos em realidade.
Acontece que os sonhos são a primeira coisa que morre quando crescemos, isto é, quando nos tornamos adultos. Não me tornei nada daquilo que um dia sonhei. Não segui nenhuma carreira que um dia almejei. Não me tornei um cientista, nem professor de filosofia, nem artista marcial, nem atleta, nem empreendedor. Porém, de todos os sonhos que morreram, apenas um me deixa grato por não o ter alcançado. Quanto a este ”livramento”, sou sim absolutamente grato à vida: eu não segui carreira militar.
Desde quando eu era bem pequeno, pequeno mesmo, eu admirava o militarismo. Sempre me interessei pelo assunto. A história e a evolução das armas, as artes marciais orientais e européias, a formação dos exércitos… As histórias das grandes batalhas, dos feitos heróicos… Da história antiga às contemporâneas armas de fogo, praticamente todos os meus cursos de extensão são voltados ao assunto*.
Meu fascínio (e ingenuidade) quanto ao assunto me levou a um curioso histórico pessoal para tentar ingressar na carreira militar. Na infância, não pude entrar no Colégio Militar, pois era muito jovem. Eu sempre fui um ano adiantado na escola, então teria que perder um ano para ingressar. Para não perder um ano inteiro de estudo, deixamos o ingresso para o Segundo Grau (que depois se chamaria Ensino Médio).
Para o Ensino Médio, tive de fazer uma prova na qual tirei a pior nota de minha vida (3). A prova de matemática era praticamente toda sobre Função. Só que Função é matéria do primeiro ano (a série para a qual eu estava tentando ingresso)! Ó raios, como vão me cobrar na prova uma matéria dada para a série a que estou postulando cursar? Para quê eu vou entrar numa escola já sabendo a matéria que vão ensinar?
Já ali eu comecei a sentir que havia algo de errado…
Após o Ensino Médio, tive a oportunidade de tentar a EsPCEx ou a EPCAr. Sem interesse pela carreira do Exército, mas interessado pela carreira na Aeronáutica, fui ver os editais. Meramente a asma e as alergias eram suficientes para desqualificar. Nem perdi tempo tentando. Mas o que me chamou a atenção foi o fato de que também desqualificava ter dentes que precisariam de tratamento ortodôntico. Sim, ter dente torto te desqualifica(va) para o ingresso no oficialato.
Tendo sido rejeitado 3 ou 4 vezes, aos 17 fiz vestibular para Direito e minha vida seguiu outro caminho, no qual os estudos sobre o militarismo continuariam sendo apenas teóricos. Assim, em meu aniversário de 18 anos, fui me alistar. Saio de casa de madrugada, pego ônibus, chego e a fila já estava crescendo. Chegada minha vez a (cof-cof, não devo xingar) ”senhora” responsável pelo serviço me mandou voltar para casa, porque a camisa que eu estava usando era de ”gola careca” e não iria me atender. Retorno para casa, pego uma camisa que não era minha (três vezes meu tamanho; a única disponível), e parecendo um saco vazio retorno lá. Enfrento a fila de novo, desta vez enorme, para ela preencher o protocolo, zombar do meu aniversário e reclamar quando usei o balcão para separar a passagem de ônibus de volta…
Os detalhes dessa história têm mais de vinte anos, então muito se perdeu da memória. O que recordo é que deu problema por eu estar cursando a faculdade (lembra, eu entrei com 17). Fui umas 4 ou 5 vezes para quartéis diferentes, tive de lidar com um monte de recrutados sem noção, as instalações eram ruins, uma bagunça danada. As coisas que ficaram na memória foram:
1 – Minha cabeça era a maior do quartel. 59cm de coco. Não tinha capacete do tamanho do meu quengo e eu podia ser dispensado por isso.
2 – Eu era o único alistado que tinha todos os dentes na boca. E sem cáries.
3 – Um monte de adolescentes amontoados num quartinho tendo que ficar pulando seminus e depois mostrar o saco para o médico local ver se tinham as duas bolas.
4 – E no final, quando viram meu currículo e exame de QI, o último médico finalmente perguntou:
“—Você está fazendo faculdade?”
“—Sim, Direito na UFRJ.” “—Você quer servir?”
“—Não, não quero, quero ser advogado.” “—Ah, tudo bem, então vou te dispensar.”
Depois dessa aventura, me perguntaram:
“Mas você queria tanto entrar, por que disse não?”
“Porque eu também tenho meus brios. Fui negado tantas vezes que agora quem não quer sou eu.”
Não tive mais contato com as forças armadas, apenas mantive em mente a imagem de uma bonita carreira de pessoas bem vocacionadas que serviam ao seu país. Imagem essa que ainda, infelizmente, insiste em habitar o ideário popular.
Alguns amigos meus não tiveram tanta sorte. Por algum motivo, o Brasil ainda segue a idéia da ”obrigação de sangue”. O serviço militar é obrigatório para todos os homens. Diferentemente de lugares mais civilizados, como nos EUA ou na República Democrática do Congo, onde você voluntariamente assina um contrato com seu país, aqui é na marra mesmo. Você pode, por lei, ser obrigado a trabalhar contra sua vontade, fazendo um serviço que não quer fazer e ser punido se se recusar a fazê-lo. Também conhecido como Escravidão. Mas como se trata do contexto militar, ganha o nome mais ameno de Conscrição.
Durante uma amistosa conversa entre aulas da faculdade, surgiu o tema do alistamento. Não esqueço a fisionomia jocosamente tristonha de meu amigo (G) quando falou sobre sua desagradável experiência: “Eles me pegaram, Pedrinho!“, referindo-se a não ter escapado do serviço obrigatório. Além de ser algo que ninguém que tenha qualquer aspiração na vida queira fazer, o “trabalho” propriamente dito consiste em acatar ordens inúteis, muitas vezes desconexas, vindas de indivíduos com duvidosa competência. Todas se referindo ou a um treinamento físico impróprio ou à manutenção das instalações militares.
Outro amigo (V) também me contou sobre suas experiências. Ele teve o privilégio de dar tiro de boca durante o Tiro de Guerra. Sim, leitor, nossos soldados são treinados com munição imaginária. Basta falar “Pou! Pou! Pou!“. Se isso não fosse estranho o suficiente, saiba que ao final o instrutor ainda lhe dizia “Aos alvos conferir marcas.“. E ele (com os demais recrutas) tinha que ir andando até o alvo conferir se o disparo imaginário o havia acertado. Todos acertavam na mosca. Não acredita? Pois veja o vídeo abaixo que demonstra tal prática ainda ser aplicada.
Embora todos esses relatos anedóticos sejam muito comuns e amplamente conhecidos pela população em geral, ainda havia, ao menos até 2022, a sensação geral de que o lema “Braço Forte, Mão Amiga” não era apenas um lema, mas também uma verdade incontestável. De que, apesar de todas as dificuldades orçamentárias, de todos os contratempos e obstáculos, nossos soldados estariam sempre prontos e dispostos a proteger e ajudar a população nos momentos mais difíceis.
O orgulho de fazer parte das Forças Armadas, a honra, a tradição e, sobretudo, o prestígio de servir à pátria e ao povo ainda eram um véu que recobria o nome e o renome da última instituição em que o brasileiro médio (de direita) confiava e tratava com reverência. Hoje, ser soldado tornou-se motivo de chacota, como em minha postagem: “A imagem do despreparo das forças armadas no Brasil“.
Mas o mal-estar não mais se limita apenas ao evidente absoluto despreparo das forças para agir em situações de emergência ou comoção social. A consternação com a pífia atuação nesses casos se somou com a frustração de uma população que inocentemente acreditou que as forças estariam ali para lhe proteger de um governo corrupto. Agora as Forças Armadas são vistas não só como incompetentes, mas também como traidoras.
Reza a lenda que alguns ainda esperam só mais 72 horas.
Bem, as Forças Armadas não traíram ninguém. O povo fantasiou que seria resgatado pelo Exército, mas se esqueceu de perguntar ao Exército se ele viria mesmo lhe salvar. Está bem claro no artigo 142 da CF88 que as forças existem para manter a ordem constituída, não para subvertê-la. Exército não é babá de civil. Se a população civil está insatisfeita com o governo, que resolva nas eleições. A maioria votou no Lula, então agüentem. Essa posição corporativista das forças já era denunciada por Olavo de Carvalho há décadas, mas foi necessária a traição de Bolsonaro para finalmente iniciar o processo de despertar da população, ou ao menos de parte dela. Veremos isso na segunda parte do texto. Por hora, assista ao vídeo abaixo.
A Decadência do Exército Brasileiro | Abraham
Cópia de segurança em meu repositório caso o vídeo esteja indisponível:
Está chegando a hora da noivinha do Aristides ir cagar em um buraco na cadeia.
Eu comentei a queda de Bolsonaro no texto O que ocasionou a derrota de Jair Bolsonaro?, e citei as traições dele no texto “As conseqüências políticas do analfabetismo funcional do brasileiro“. Mas agora que sua máscara caiu, que está prestes a ser preso, está se revelando algo muito pior do que um traidor. Quer colocar a culpa nos próprios apoiadores que foram às portas dos quartéis pedir por intervenção militar. Mas quem os instigou a isso? Quem durante todo um governo associou sua própria imagem às Forças Armadas? Quem usurpou para si a imagem de chefe de um exército que estaria ali para proteger a população de bem? E que estava “contra os comunistas”? O sujeito arquitetou uma lavagem cerebral em massa, uma histeria coletiva de pessoas ignorantes e facilmente manipuláveis. Queria sim que houvesse alguma intervenção, mas não teve colhões para fazê-la ele mesmo. Quando o frágil castelo de cartas ruiu, como o covarde que é, pôs a culpa em seus seguidores.
É óbvio que ele merece ser preso não só por tudo o que se omitiu em fazer, mas também pelos atos abjetos que cometeu. Omissões foram várias. Ele sabia da fome e da doença dos índios, mas não fez nada: índio não vota. Ele protegeu os garimpeiros: garimpeiro vota. Ele deixou que proto-ditadores fizessem e desfizessem durante a Peste Chinesa, quando tinha o poder-dever de intervir. Prevaricou. Ele deixou que todos os seus apoiadores fossem perseguidos, assim, a imagem da direita no Brasil teria apenas o sobrenome de seu clã. Todos os que rompem apoio, ou meramente criticam o imbrochável líder, são alcunhados como “traidores”, são ostracizados, têm suas reputações assassinadas.
Mas muitos estão começando a perceber quem ele realmente é. Cada declaração em que tenta se eximir da responsabilidade pelo que aconteceu a tantos cidadãos presos no 8 de janeiro o faz perder mais e mais apoiadores. Cada evasiva faz muitos questionarem o apoio até então dado. Até Romário, figurinha da politicagem fluminense começou a se afastar dele. Outros nomes também começam a se afastar, antevendo sua prisão e calculando o custo-benefício de manterem-se ligados a alguém cujas manifestações em apoio vêm se tornando cada vez mais esvaziadas. Sim, ele ainda possui um enorme número de apoiadores. Mas quanto tempo isso durará?
Haverá quem, mesmo após tudo isso, continuará apoiando o sujeito. O comportamento canastrão e cafajeste de Bolsonaro conquistou a população. O povo é mulher e, por mais que mulher diga que gosta do homem certinho e não queira admitir, ela gosta mesmo é do cafajeste. O ”moreno tatuado com cara de bandido” se personifica politicamente na figura dele mesmo. Falas conhecidas como “Vagabundo tem mais é que se foder, porra! Acabou!” agradaram a população há anos vítima da impune violência criminosa. Ele deu voz a um povo cansado de uma política de velhos velhacos e novos hipócritas. Parecia ser alguém genuinamente contrário ao sistema. Cativou, seduziu, hipnotizou e iludiu um povo carente de homens fortes e de valor. Esse povo então lhe entregou toda a esperança há tanto tempo reprimida. Sem outras referências, aceitaram aquilo como ”o salvador da pátria”. Era o que aquela gente tinha para enfrentar o lulopetismo. Toda a libertinagem de tal cafetão político precisaria ser relevada. Incluindo promiscuir Religião, Política e Defesa Militar.
“Defensor dos valores cristãos” com 5 filhos em 3 casamentos diferentes, o homem que afirmou “pintar um clima” com jovens pobres enquanto sabia dos horrores de Marajó não foi de todo um tolo. Ele sabia que caso aparecesse outra pessoa mais competente (o que não é difícil) nos assim incipientes movimentos de direita, ele não manteria o poder para si ou para outro de seu clã. Permitiu que aliados fossem perseguidos, deu as costas a apoiadores em seus momentos de necessidade. Concentrou em si, e somente em si, o nome viável da direita para eleições. “Não há direita no Brasil sem Bolsonaro“, ele mesmo disse. Fez de propósito. Foi planejado. Porém isso apenas não seria suficiente. Era necessário também conquistar a massa popular de forma ainda mais profunda, no que ela tem de mais precioso, que é sua fé.
Pastores evangélicos transformaram as pregações onde se deveria elevar o coração ao alto em comícios eleitoreiros. Falsos profetas profetizaram “em nome de Jesus” que ele venceria as eleições. Senhorinhas com a bíblia em mão clamavam por ajuda aos céus para que o comunismo não se implantasse no Brasil. Bolsonaro foi salvo de uma facada por um milagre de deus, logo, seria esse “ungido do senhor” o defensor da cristandade. Católicos (cujo dogma excomunga o comunista) e protestantes oravam para que ele permanecesse no poder. Encararam todas as questões mal respondidas que ocorreram durante o processo eleitoral de 2022 como uma prova de fé.
Não satisfeito em promiscuir fé e eleições, botou durante seu governo a já convalescente reputação das Forças Armadas no meio do caldeirão de sentimentos de uma população extasiada. Entre motociatas e tanqueciatas, “Vocês vão à frente, eu vou depois e, atrás, o meu Exército.” Atiçou a população por meses, instigou a exacerbação dos ânimos, para depois esconder-se como um covarde, sem dar ao povo que nele confiou qualquer palavra de alento diante da derrota.
Crédulos de que “as Forças Armadas iriam combater o Comunismo no Brasil”, patriotários foram às frentes dos quartéis rogar, implorar por ajuda. O fervor político e religioso tomou conta de milhares de pessoas. Alguns chegaram ao ridículo de esperar por intervenção alienígena. (Algo que muito agradaria este que vos escreve — eu adoro essas coisas de Operação Prato, Varginha e o OVNI de Macaé). E enquanto o povo aterrorizado com a possibilidade de este país se tornar uma ditadura comunista chorava clamando por socorro aos militares, postando em suas redes sociais que “Eu Autorizo”, num claro descontentamento em relação à dubiedade da lisura das eleições, seu Capitão General fugia para a Disney enquanto fazia seus eleitores de Patetas.
O que merece alguém que incutiu medo e paranóia em milhões de pessoas?
Mas essa experiência não foi de todo ruim (para quem não está preso ou morreu na cadeia). O povo finalmente viu que as Forças Armadas não irão protegê-lo. Nem do governo a que fazem parte, nem de catástrofes naturais, como as enchentes no Sul ou a ganância privada no Norte (refiro-me tanto a Maceió, que está afundando por minas subterrâneas, quanto aos índios morrendo pelas ações dos garimpeiros). E, convenhamos, nem de ameaças externas. Se o Zimbábue resolver atacar, eles chegam a Brasília antes de os recrutas terminarem de treinar tiro de boca.
É muito fácil mandar os filhos dos outros para um árduo trabalho estando no conforto de um escritório. É muito fácil discutir os cortes das rações durante um jantar com talheres de prata. É muito fácil deixar seus eleitores adoecerem na porta de quartéis, ou morrerem em celas de presídios. Eu repito o que disse no outro texto: nossos meninos não merecem isso. Quem vai agora querer genuinamente servir como praça, sabendo como é a realidade das forças no Brasil? Se antes, com a imagem preservada, já se falava tão mal do serviço militar obrigatório, agora que o comportamento e a posição política dos comandantes está sob escrutínio popular, quem quererá se submeter a essa hierarquia? Que jovem aceitará agora se tornar motivo de zombaria? Três dos meninos morreram aqui no Rio de Janeiro durante uma GLO por fogo de narcotraficantes. Este ano, um se suicidou no quartel. Quem quererá isso para si? Ou, para seu próprio filho?
Credibilidade é algo que só se perde uma vez. A ilibada reputação das Forças Armadas acabou para parte considerável da população. Seja dos generais que prestam continência a ditadores, seja dos seus civis comandantes-em-chefe. Uns os chamam de inúteis, outros, de traidores, tal como o ex-presidente (futuro presidiário). O inelegível conseguiu unir direita e esquerda em repúdio ao Exército. O Lula, ex-presidiário (agora presidente) pode ter todos os defeitos que o Bolsonaro disse, mas pelo menos não se apóia na imagem nem no prestígio de outrem para se promover. Nem do exército, nem de Jesus.
Ainda bem que eu não servi. Não faço parte dessa bagunça. Essa é uma frustração que não carrego.
Por duas vezes a Marinha do Brasil tentou vender o único porta-aviões da América do Sul no e-Bay, um conhecido portal de classificados na internet.
Terceira parte – kalos thanatos
Glossário:
* eugenia – espartanos eram inspecionados após o nascimento; se houvesse qualquer problema de saúde com o bebê, ele seria morto. Isso garantia que apenas homens saudáveis integrassem o corpo social.
* culto – espartanos eram fervorosamente religiosos, cultuando principalmente deidades femininas. Atena era a mais cultuada.
* Licurgo – legislador e reformador lendário a quem se atribui a lei espartana.
* agoge – um dos primeiros períodos pedagógicos ao qual os meninos iniciavam a vida militar.
* kalos thanatos – literalmente “a bela morte”, refere-se à morte em combate, ou seja, dar sua vida pelo Estado.
* formação hoplita – falanges de soldados que se defendiam mutualmente por meio dos hoplons, largos escudos que vieram a se tornar o símbolo militar espartano.
* polis – Cidade-Estado grega. Na Grécia, cada cidade era seu próprio minipaís, com suas próprias leis.
Embora a sociedade ateniense tenha deixado muitas obras para a posteridade, e por ela seja conhecido o cotidiano do mundo grego, foi a sociedade espartana que melhor vivenciou o espírito helênico. A eugenia, o culto, o senso de camaradagem e a vida militar.
Graças às reformas pedagógicas de Licurgo, todo homem espartano era um escravo. Seja um escravo no sentido literal, um estrangeiro derrotado na guerra; seja um escravo do dever à polis. Esses homens livres, porém inatamente servos ao corpo social, vivenciavam desde o agoge até o kalos thanatos os valores da sociedade grega antiga. Em nenhuma outra cidade as mulheres foram tratadas com tamanha igualdade. Também treinavam para a guerra nuas nos ginásios junto aos homens. A elas cabiam os serviços auxiliares e o ataque à distância, enquanto aos homens cabia a formação hoplita.
Todo espartano era estritamente um soldado e somente aos soldados eram reconhecidos direitos políticos. Como alguém que não vive para morrer pelo Estado teria o direito de participar das decisões públicas? A esses que viviam em esparta, mas não eram espartanos natos, eram reservados todos os demais serviços. Agricultura, manufatura, mineração, comércio. Para mantê-los sob controle e medo constantes, eram duramente explorados.
Espartanos não deixaram obras filosóficas ou culturais. Estavam totalmente dedicados ao serviço militar e à guerra. Esse exemplo histórico serviria para a construção do mito do soldado perfeito, inspiraria poemas e prosas para as gerações vindouras sobre uma romantizada vida aquartelada.
Posteriormente, os romanos encontraram um meio termo entre a excessiva obsessão espartana e a indolente displicência brasileira. Soldados provinham soldos e terras após o serviço militar. Servir às forças armadas era interessante ao soldado, apesar da obrigatoriedade e do grande perigo envolvido. Havia uma doutrina militar racional e regras bem claras. O exército romano não se reservava apenas à guerra, mas atuava em todas as necessidades públicas. Calamidades, agricultura, construções. Participavam ativamente de todas as questões sociais. Sendo nossa sociedade descendente daquela, esse ideário milenar da função do exército se manteve até recentemente.
Séculos mais tarde, no oriente, mongóis criaram o maior império em extensão territorial contínua da história por também se dedicarem mais às batalhas do que à pacífica vida ”civil” (eles não tinham cidades). Aqueles nômades viviam sobre seus cavalos. Enquanto a vida agrária dos conquistados lhes engordava, tirava suas forças e estragava seus dentes com os cereais, os mongóis, alimentados exclusivamente com carne, queijos e iogurte, eram magros, fortes e cheios de energia. A história demonstrava mais uma vez a preponderância da força militar ativa sobre a pacificidade civil passiva.
Já no ocidente, após gerações de opressão muçulmana, cristãos europeus finalmente se rebelaram contra os invasores e partiram nas Cruzadas. As guerras sempre tiveram ao longo da história uma faceta religiosa. Soldados sempre oraram ao divino por proteção. Mas, com as Cruzadas, a guerra assumiu efetivamente essa face, sem véus, máscaras, escusas ou dissimulação. Matar o inimigo em nome de Deus lhe concederia a indulgência da Igreja, um salvo-conduto para o paraíso. Afinal, era isso ou morrer nas mãos dos muçulmanos, que estavam fazendo a mesma coisa.
Desde então, Jesus Cristo sempre foi invocado durante as guerras. Joana D’Arc morreu afeita à sua fé. Católicos e protestantes se mataram (literalmente) para decidir quem amava mais Jesus. Mesmo Napoleão, que recusou que sua coroa de imperador fosse-lhe imposta pelo Papa, já dizia que Deus estava sempre ao lado dos grandes exércitos. Quanto maior, mais Deus favoreceria. Claro: uma guerra tradicional é uma questão de números. Quanto maior for o batalhão, maior é a chance de vitória. E aos vencedores cabem escrever a história e a graça de Deus.
“Gott mint uns” (Deus está entre nós) era o lema inscrito nas fivelas dos cintos de todos os soldados durante a Alemanha Nacional Socialista. Exterminar os descendentes dos que mataram Jesus, que criaram o Comunismo, que se recusavam a integrar a sociedade cristã, responsáveis pela crise econômica, e com a bênção papal de Pio XII era uma tarefa nobre para o pobre católico soldado alemão.
No Brasil do início do século XX, o temor ao comunismo começava. Pela primeira vez as Forças Armadas Brasileiras intervieram e os impediram, iniciando aí a reputação de serem contrárias à esquerda política. Depois nossos pracinhas foram ao estrangeiro, os enfrentaram e voltaram com a glória inerente a uma Grande Guerra, de terem enfrentado tiranos de esquerda e os vencido. Vargas precisou deixar seu cargo de ditador, mas o povo, que é mulher, pediu por ele de volta. Passado um tempo, durante a Guerra Fria, a ameaça comunista retornava e, mais uma vez, as Forças Armadas intervieram e os impediram, dando início ao Regime Militar.
Se haveria ou não a tentativa de implantação de um regime de esquerda, ninguém sabe ao certo. Mas a desculpa foi essa. E mais uma vez se fortalecia o conceito de que o Exército Brasileiro era de direita e seria anticomunista. Passados 50 anos, um certo crápula aproveitou-se do cenário perfeito (paranóia de uma nova ameaça comunista, formação de incipientes movimentos de direita, advento de redes sociais e o imaginário popular que via o Exército como cristão e anticomunista) para eleger-se e então trair a nação, tentando perpetuar-se no poder.
Hoje as Forças Armadas perderam sua reputação. Não são vistas mais como defensoras de um povo e sua fé. O serviço não é visto romanamente como algo nobre em favor do corpo social. Dele não surgirá o “salvator patriae“, aquele que evitará a ruína do Estado. Também, definitivamente, não existe o kalos thanatos no Brasil. (Quem vai querer morrer por isto aqui?) O jeitinho brasileiro chegou à caserna. A Lei de Gérson vale tanto quanto a Constituição para o oficialato e suas filhas, que vivem amigadas para não perder a pensão de papai (que não morreu em serviço). A frustração de um povo ao finalmente despertar e perceber que ninguém irá lhe proteger é sentida como uma traição. E ironicamente (ou não) testemunhamos gado com dor de corno.
Uma anedota: ao pronunciar seu juramento em juízo, o romano segurava seus testículos com a mão direita (munheca). Daí o nome ”testemunho”. Mas neste país de homens sem colhões, liderados por canalhas, as bolas só servem para passar vergonha durante o exame físico do alistamento. E a fantasia da valorosa vida militar morre para o povo brasileiro, tal como morrem os sonhos de uma criança quando se torna um adulto.
E mais um texto em que resolvo ser “crítico” de artes. Na verdade, só quero dar palpite.
Como já escrevi várias vezes, tenho os mais diversos interesses. Pensando sobre eles agora, posso talvez agrupá-los em categorias, como Belas Artes (as 9) e Artesanato, Esportes individuais, Jogos e quebra-cabeças, Campismo, Belicismo, Ciências Naturais, Sociais e Paraciências, Máquinas em geral. Ser um especialista em generalidades causou-me (em parte) rejeição no mundo acadêmico. Meus professores insistiam que eu deveria (no sentido literal de dever ser; obrigatoriedade; praticamente um imperativo moral) focar-me em uma (1) coisa apenas. Isso se contrapõe à minha natureza. Eu nunca foco em algo em particular por muito tempo. Todos esses meus interesses vêm e vão recorrentemente.
Imagine aquela criança que escuta a música do desenho animado do momento. Ela é capaz de repetir milhões de vezes a mesma ladainha, ver e rever o mesmo desenho (ou trecho dele) como que uma vitrola quebrada. Então, do nada, ela se cansa. Esquece completamente aquilo e vai fazer outra coisa.
Eu nunca cresci. Continuo sendo a mesma criança: pego um assunto, fico nele obsessivamente por dias, então me canso, o descarto, e vou fazer outra coisa. Apenas que essa outra coisa é um desses outros interesses peculiares que tenho. Gosto de comparar com uma pessoa que viaja sempre para os mesmos lugares, mas nunca fica tempo demais em cada destino. Por um lado, ela tem o benefício da familiaridade, do conhecimento prévio, de sentir-se em casa. Por outro lado, ela mantém a satisfação da contínua descoberta, a curiosidade de ver o que mudou desde a última vez em que esteve lá, a sensação de aquele lugar sempre ser uma novidade.
Disso posto, estava mais uma vez garimpando one shot graphic novels (novelas gráficas curtas – histórias em quadrinhos artísticas) e encontrei uma que me colocou contra uma questão pessoal que tenho ao lidar com ficção científica: a proporção do suspension of disbelief, isto é, a “suspensão da descrença”. Sempre que lidamos com histórias de ficção, sejam de fantasia, sejam de ciências, há o artifício artístico (um pleonasmo, desculpe) em que se recorre à suspensão da descrença. O autor pede, subentendidamente, que o leitor aceite certos pontos do enredo como verdadeiros, ainda que não lhes haja explicação.
Um exemplo simples vindo da cultura dos quadrinhos é a resposta de Stan Lee, ao falar sobre seus personagens. Certa vez lhe perguntaram, “Mas como esses poderes funcionam?”. No que ele respondeu: “Não faço idéia, só sei que eles funcionam.”. Super-heróis são personagens fictícios, não existem de verdade, não estão presos às regras da vida real. Como qualquer outro personagem, são meras ferramentas que o autor ou o roteirista usam para contar uma história. Não interessa como o Superman voa. Ele voa e pronto. Não interessa como o Batman engana a Receita Federal do país dele. Ele sonega, e ninguém percebe.
Eu tenho em mente tudo isto: de que ficção é ficção, de que não há nem precisa haver explicação para as coisas inventadas. De que o que interessa é a história a ser contada. Contudo, no âmago, minha mente continua tentando encontrar um senso naquilo. Talvez seja minha forma de interagir com as histórias. Eu espero que elas tenham algo a ensinar, algo que eu possa aprender. Por isso critico tudo o que leio o tempo todo, todas as fontes, todas as falas. Incluindo as fictícias.
Toda essa digressão para finalmente chegarmos ao ponto que me deixa encafifado. Qual é o limite para a suspensão da descrença? Até onde um autor pode pedir que seu leitor aceite, ou ao menos não questione, o funcionamento de seu mundo fictício? Antes de chegarmos à Satania, quero falar sobre Blame!.
Blame! (pronuncia-se Blam!) é um mangá cyberpunk. Num futuro distópico, a humanidade se vê fragmentada, habitando uma incomensuravelmente gigantesca mega-estrutura. O personagem principal viaja por essa mega-estrutura procurando sei lá alguma coisa.
Eu não consegui passar dos primeiros capítulos de Blame!. E meu problema foi exatamente a mega-estrutura em que se passa a história. Nessa obra, o autor procurou contar a história de forma mais visual. Há pouquíssimas falas ou interações entre os personagens, sendo que a maior ênfase se dá na própria mega-estrutura em que eles se encontram. Ou seja, o ambiente em que se passa a história é, em si mesmo, um personagem (ainda que inanimado). É parte constitutiva da narrativa. Não é apenas o tabuleiro do jogo, é também um dos jogadores.
Um dos motivos (o motivo menor) que me fizeram parar de ler Blame! logo nos primeiros capítulos foi que considerei a arte aquém da esperada para esse tipo de narrativa. Se o ambiente terá tanta ênfase, considero que a arte deveria ser bem melhor. Pareceu-me excessivamente “suja”, como que, em uma ânsia de buscar o hiperdetalhismo, o autor tentou colocar em preto-e-branco aquilo que precisaria estar em cores. É perfeitamente possível alcançar hiperdetalhismo em preto-e-branco, como no caso dos autores Hiroya Oku (Inuyashiki), Katsuhiro Otomo (Akira), Kaoru Mori (Otoyomegatari) e Takehiko Inoue (Vagabond). Mas a metodologia que Nihei Tsutomu usa em Blame!, ao menos para mim, não funciona. É uma crítica similar a que fiz ao ler Wolf Guy – Ookami no Monshou,embora notadamente aqui a qualidade técnica seja muitíssimo superior. Há sim quadros muito bons, mas o conjunto da obra a torna visualmente cansativa.
Detalhes dos personagens 1.
Detalhes dos personagens 2.
Um exemplo de quadro da obra Blame! e seu ambiente excessivamente riscado
Mas o principal motivo que me fez parar de ler foi que não consegui ativar minha suspensão da descrença em relação ao mundo de Blame!. A idéia da mega-estrutura é estupefante, causa perplexidade, causa admiração. Tudo bem, concordo, é muito bacana, muito legal. Porém é fisicamente impossível. Não foram apresentados no mangá, ao menos nos primeiros capítulos que li, outros elementos que expliquem (e sustentem) a diferença entre a física desse mundo com a realidade em que nós, leitores, vivemos. Pelo contrário, a história, parece-me, passar em um futuro alternativo de nossa própria realidade. Ou seja, com as mesmas leis físicas que temos na vida real. Foi nesse momento em que não mais consegui ler. Foi como se houvesse uma farpa em minha mente gritando: “mas como?! … isso não faz sentido!”.
O cenário impossível de Blame! não funciona para mim por dois motivos. O primeiro é que, quando se estuda um pouco de arquitetura, a gente sabe que a resistência dos materiais de construção é determinante para definir o tamanho máximo de uma estrutura. Inexiste material no planeta Terra capaz de sustentar uma estrutura com mais de 25 Km de altura. O que nos leva ao segundo e mais decisivo motivo de eu não conseguir desligar minha descrença para apreciar essa ficção científica.
A mega-estrutura não é apenas horizontal, ela também é vertical. São incontáveis níveis acima e abaixo, cada qual com quilômetros de altura. E onde fica a atmosfera nisso? Por que nos níveis superiores a atmosfera não é rarefeita e, mais importante, como que nos níveis inferiores as pessoas sobrevivem à pressão? Quanto mais profundo é o nível de uma escavação, maiores são as pressões atmosférica e litostática, e, conseguintemente, maior é o calor ambiente. Este aumenta por volta de 100°C a cada 3,5Km de profundidade. Cadê o calor? Cadê o ar rarefeito? Como conseguem água? Como conseguem energia? De onde tiram comida? De onde vem o oxigênio para respirarem?
Ou seja, o lugar não faz sentido a menos que seja introduzido outro elemento de ficção científica, o que não foi feito. O lugar não é crível, embora seja apenas mais um “personagem” imaginário. Eu aceito o Superman voar, o Goku soltar raios pelas mãos, os anões cavarem Moria até chegar ao Balrog, Falkor voar mais rapidamente do que o Nada, mas, sei lá porque, a mega-estrutura de Blame! não teve a mesma benesse que disponho aos demais…
Satania, de Fabien Vehlmann, em certo momento, causou-me exatamente a mesma sensação. E é o motivo de eu estar escrevendo tudo isso.
A história de Satania consiste em uma aventura ao estilo de “Viagem ao Centro da Terra”. Diferentemente de Blame!, Satania procura explicar e embasar “cientificamente” todas as coisas que vão acontecendo. Muito se fala sobre a teoria da evolução de Darwin, dão-se explicações biológicas sobre a origem e o comportamento das criaturas fantásticas que são encontradas, da geologia do local etc. Muitas questões sobre mundo subterrâneo em que o conto acontece não são respondidas, mas não fazem falta. Embora a ambientação seja fundamental para compor a história, o que importa não é o lugar, mas sim a aventura vivida pelos personagens.
Sim, Satania é um lugar impossível. Se nenhuma bactéria é capaz de sobreviver a temperaturas acima de 120°C, a formação de um ecossistema complexo inteiro na base de um vulcão é pura fantasia. Mas, repito, isso não é importante. A história se foca na aventura, nas decisões dos personagens, na tentativa de colocar a realidade das decisões humanas naquele mundo incrível. O enredo se dá nas pessoas, não no lugar em que a história acontece. As ”explicações” constroem apenas a ambientação, servem como lembrete contínuo de que se trata de uma história de cientistas perdidos em um mundo inusitado.
Essa credibilidade ”científica” também se contrapõe ao traço, normalmente utilizado para histórias infantis. Esse jogo entre o fantástico e o real, o científico e o impossível, a estética lúdica e os eventos dramáticos é muito bem trabalhado. Infelizmente Satania peca em seu final. Nas penúltimas páginas, como que para correr e encerrar a história, o autor opta por transformar a aventura em um horror cósmico, à la Junji Ito. Poderia ter simplesmente trocado a parte de horror cósmico para horror psicológico e o impacto seria o mesmo (foi uma decisão realmente estranha para mim e destoa de todo o resto do enredo). Ao menos a viagem de retorno para casa da protagonista Charlie é um toque bem bacana.
Percebe a diferença entre as histórias?
Na primeira, a suspensão da descrença não me é possível por se tratar de um mundo impossível.
Na segunda, também é um mundo impossível, mas não faz diferença para mim.
(trocadilhos, trocadilhos)
Clarificando-me: a suspensão da descrença é necessária para o consumo de qualquer obra de ficção. Seja fantástica, seja científica, da magia até o futurismo. Porém há limites que devem ser respeitados, e esses limites derivam do foco que se dá ao artifício de enredo. Se é dada demasiada importância a esse artifício, ele precisa ser muito bem pensado e bem construído, pois senão a história não fará sentido. Se a narrativa se concentra nas ações e relações entre os personagens, o plot device (dispositivo de enredo) é um mero recurso de ambientação.
Outra graphic novel que posso mencionar aqui é Jolies Ténèbres (Beautiful Darkness, ou Aurora nas Sombras), obra também de Fabien Vehlmann como co-autor e Marie Pommepuy. O estilo gráfico é similar ao de Satania. A história consiste em personagens de fantasia que vêm para o mundo real. Saídos (literalmente) da mente de uma criança, tal como ela, vêem o mundo ao seu redor. Porém no mundo real há fome, há perigos, há morte. A história segue, em especial, a personagem principal Aurora, que me parece ser a auto-imagem da criança que a imaginou.
Nessa história, Aurora comete um ato que, em meu julgamento, a torna irredimível. Imperdoável. Comparando-a com os muitos outros personagens, também moralmente repreensíveis, nada a diferencia deles. Terá sido essa uma estratégia narrativa dos autores? Quiseram eles mostrar que nem sempre podemos nos identificar com os personagens de uma história? Quiseram eles dizer que todos têm uma mancha de escuridão em seu caráter, em seu passado? Quiseram eles só contar uma história que calhou de eu não gostar? (Tomei raiva da personagem.)
Tanto faz, não é isso que quero salientar. Citei Beautiful Darkness porque ela representa bem o argumento deste texto. Os elementos fantásticos de uma história não precisam ser explicados, por mais absurdos que sejam. Percebeu que em nenhum momento eu questionei sobre a origem dos personagens? Eu questionei sobre a trama, comentei sobre os personagens e suas ações, mas nada reclamei sobre o elemento de fantasia. Não há explicação de como aqueles personagens vieram para o mundo real, e isso não importa diante da história que está sendo contada. Essa questão nem ao menos é levantada. Eles estão lá e pronto, tais como os heróis voadores ou os reinos subterrâneos com seus dinossauros no Centro da Terra.
A suspensão da descrença é um artifício poderoso, todavia delicado. No caso de Satania é fácil suspendê-la, pois a adrenalina da aventura ofusca completamente questões secundárias. Já em Blame!, a estrutura (trocadilho intencional) do enredo carece de muito mais explicações. E falando em estruturas e credibilidades, não queria crer que esta semana começa obra para tirar infiltração aqui em casa… Aff… Cadê os anões de Moria quando a gente precisa deles?
Deborah Frances-White é uma comediante, autora e roteirista britânico-australiana. Ela é mais conhecida por apresentar o podcast The Guilty Feminist, onde explora questões feministas com humor e honestidade.
PQP.
Durante a primeira hora eu escutei com bastante atenção os argumentos apresentados por essa senhora e consegui compreendê-los, bem como a estrutura subjacente de seu ponto de vista.
Porém nada disso se sustenta frente a um escrutínio mais minucioso. Após duas horas e meia, foi como se ela tivesse falado, falado e não dito nada…
O primeiro trecho trata da questão do homossexualismo e identidade de gênero. São tratados dois focos de argumentação. O primeiro é o de que as pessoas levam tempo para se acostumar a mudanças sociais. Na época vitoriana, os homens usavam cabelos longos. Durante as Grandes Guerras, para evitar piolhos nas trincheiras, o corte de cabelo curto foi padronizado. Passou-se a identificar o cabelo curto como sinal de masculinidade. Na década de 1960, quando homens voltaram a usar cabelos longos, foram logo alvo de zombarias, por se tratar de um traço cultural agora relegado a mulheres. Algo similar ocorreu quando mulheres começaram a usar calças, um traço culturalmente associado ao homem. Ela também traz para o debate a questão da orfandade e de como o preconceito contra órfãos foi se transformando ao longo do tempo.
Esse argumento não se sustenta por não se tratar de características culturais e sim biológicas fixas. Um homem nasce homem. O fato de dizer que é uma mulher não o torna uma mulher e vice versa.
O segundo argumento do primeiro trecho trata da idéia de gênero fluido, que a identidade de gênero é um espectro e que diversas sociedades indígenas tratam seus membros dessa forma. Numa mostra do batido discurso do ”nobre selvagem”, ela tenta equivaler a cultura branca européia com as diversas culturas silvícolas ao redor do mundo, em especial a aborígene (australiana).
O problema desse argumento é que todas as grandes civilizações tiveram e têm distinções entre a posição do homem e da mulher, sendo essas distinções ainda muito mais acentuadas em civilizações orientais. A diferença social entre homem e mulher é muito mais atenuada na atual sociedade ocidental do que em outros lugares do mundo, como o mundo eslavo, islâmico, chinês ou do sudeste asiático.
O segundo trecho trata da cultura do ”cancelamento”, o conhecido boicote de pessoas, muitas vezes comuns, por não se alinharem a determinado discurso ou narrativa. Ela defende que há pontos positivos nos movimentos #metoo e congêneres, pois permitiram que denúncias fossem feitas em meios que antes eram impenetráveis. Mais no sentido de uma discussão sobre o assunto, ela concorda que houve excessos e que toda ferramenta pode ser usada para o mal, porém minimiza as experiências pessoais de pessoas que foram vítimas desses excessos.
O contra-argumento é que o uso indiscriminado dessa metodologia levou à retaliação cultural e ao que hoje está sendo chamado de ”fadiga cultural”. O homem branco heterossexual cristão vem sendo há muito tempo, mais de uma década, constantemente e progressivamente perseguido em todos os meios de comunicação e narrativas políticas de orientação neomarxista pós-moderna. Mais do que natural voltar-se visceralmente contra esse discurso, donde conseqüentemente testemunhamos o aumento da direita radical.
Passada essa primeira hora, ela embarca na repulsa feminista ao trabalho de Jordan Peterson (ver também) e o compara a Andrew Tate. Não apresenta argumentos além de que o discurso de Peterson lhe desagrada. Disso ela apaixonadamente representa Trump e Musk como demônios, que são capitalistas obcecados pelo poder etc. Sua definição de extrema-direita é a de que ela está muito além da questão econômica, pois advogaria pela imposição de uma cultura branca heteronormativa patriarcal, e que isso equivale ao fascismo.
O problema dessa linha de argumentação é o de que a esquerda usa tanto esses chavões e rótulos que essas palavras perderam totalmente seu peso. Quando vemos a ascensão de movimentos realmente neonazistas, esse fato é minimizado, pois qualquer um que não concorde com as narrativas de esquerda assim é alcunhado.
O penúltimo trecho do vídeo fala sobre a obsessão com políticas identitárias e de como isso prejudica a formação de pontes de diálogo entre pessoas que estão em pólos opostos do espectro político. Ela demonstra não conseguir construir essa ponte, mesmo sendo seu livro exatamente sobre criá-la…
E na parte final ela tenta fazer terapia com os entrevistadores…
Sugiro ver no Youtube e ler os comentários. É muita coisa para dissecar neste curtíssimo resumo.
Este texto foi registrado em duas Ouvidorias (Federal e Estadual).
Protocolo: 202520000602259
Chave de acesso: IXM8D8
PROT GERJ: 202505025695750
Compreendo que dentre os incontáveis protocolos enviados para essa Ouvidoria, os elogios sejam tratados em segundo plano. Porém, rogo que esta manifestação chegue aos funcionários dos estabelecimentos, como reconhecimento e gratidão pelos esforços diários das equipes.
Minha mãe, Maria de Fatima Figueira sofreu um infarto e foi internada dia 16/04 na rede Estadual de saúde.
O atendimento realizado pela equipe da UPA 24hs Engenho Novo foi impecável. TODOS os funcionários nos trataram muito bem, os médicos, os enfermeiros, os seguranças e o pessoal da limpeza. Todos nos trataram muito bem.
O cuidado e a dedicação de toda a equipe salvou a vida da minha mãe. Tudo muito limpo, higienizado, 24h de observação, alimentação e cuidados.
A equipe de ambulância que fez as transferências para o Hospital Pedro Ernesto e em seguida para o Hospital Anchieta nos tratou com respeito, profissionalismo e sensibilidade.
No HUPE encontramos um ambiente hospitalar higienizado e próprio para o cateterismo.
Finalmente no Hospital Estadual Anchieta, minha mãe recebeu um tratamento humanizado e completo. Dentistas, psicólogos, assistentes sociais. Os funcionários do atendimento me trataram muito bem e as enfermeiras cuidaram da minha mãe de forma humanizada.
TODOS os funcionários da rede de saúde, médicos, enfermeiros, socorristas e equipes de apoio nos trataram muito bem. E, repito, salvaram a vida da minha mãe.
Aqui deixo meu registro de agradecimento e elogio.
Rogo novamente que esta manifestação chegue a esses funcionários. Sei que é difícil, mas eles merecem esse reconhecimento público de seus esforços, profissionalismo e compaixão.
Existe uma profunda idéia por trás da atual Revolução da Inteligência Artificial: que a predição de padrões pode levar à inteligência. Tudo o que a máquina vê ou ouve, toda ação que ela toma, mesmo conceitos e idéias construídos, são todos entendidos da mesma forma, isto é, como reconhecimento de padrões. Quando a máquina aprende a predizer padrões, ela também pode criá-los, imitando e, freqüentemente, superando a habilidade humana. O que nós estamos chamando de Inteligência Artificial é uma máquina gigante de predição de padrões criada copiando a solução que a natureza encontrou para aprender. Podemos dizer que a natureza desenvolveu o ato de aprender em três etapas diferentes.
A primeira etapa é o aprendizado evolucionário, que é construído com a simples estratégia de tentar coisas aleatórias (mutações) e ver o que funciona. Esse é um processo muito lento que acontece ao longo de gerações e é incapaz de se adaptar a rápidas mudanças ambientais.
Então a natureza construiu uma segunda etapa muito mais rápida de aprendizado: usar o cérebro para se adaptar. Permitir que o comportamento (ações e decisões) do ser vivo se adapte ao longo de sua própria vida. O cérebro permite que o organismo mesmo tente coisas diferentes e repita o que funciona baseado na experiência (memória) e no mecanismo de reforço baseado em recompensa ou dor.
Essa é a base para o paradigma de aprendizado de máquina da inteligência artificial. Em lugar de programar instruções passo a passo, nós deixamos a máquina aprender por si mesma. Esse conceito vem desde a década de 1960, demonstrado a partir de mecânicas de jogos. Ao tentar todas as combinações possíveis associadas a um sistema de reforço de aprendizado (premiando jogadas corretas e punindo jogadas erradas), demonstrou-se que a própria máquina seria capaz de identificar padrões de jogos perfeitos.
Essas estratégias de vitória emergiram diretamente da experiência, não de programação. Mas elas possuem uma grande limitação. Nesse modelo de aprendizagem artificial, é necessário que haja espaço para armazenar todas as combinações possíveis.
Para verdadeiramente imitar o cérebro humano, máquinas ainda precisariam desenvolver sua própria forma de reconhecimento de padrões, o que nós chamamos de abstração. Nós somos capazes de formar abstrações automaticamente, ignorando diferenças triviais enquanto nos focamos nas similaridades.
Este foi o motivo pelo qual este ensaio me chamou a atenção. O desenvolvimento da linguagem como ferramenta de abstração de conceitos é o instrumento fundamental da Filosofia. A capacidade de reconhecimento de padrões e suas implicações no comportamento humano também são tema de discussões sobre a psique humana, como bem argumentam Richard Dawkins e Christopher Hitchens.
Abstrair permite ignorar as diferenças sem importância e atentar aos padrões intrínsecos das coisas. Para construir uma máquina capaz de aprender a abstrair conceitos, pesquisadores olharam para a natureza. O modo como o cérebro funciona em camadas de rede de neurônios, como essas redes formam circuitos que criam padrões em cascata durante o processamento de informações, e como quanto mais profundas forem essas camadas, mais específica será a informação. Pensamentos são identificados com padrões de atividade neuronal, de modo que hoje é possível dizer em que imagem você está pensando ao observar sua atividade cerebral.
O primeiro ”cérebro” artificial foi construído por Frank Rosen em 1958, usando transístores agrupados em três camadas. A primeira camada foi conectada a uma “retina” artificial capaz de ler os píxeis de uma imagem de forma direta. As demais camadas foram ajustadas de forma aleatória. A saída registrava apenas duas possibilidades, se a imagem seria um quadrado ou um círculo. Esse circuito aprendeu por tentativa e erro. Cada conexão entre os ”neurônios” era controlada por um potenciômetro que ajustava o fluxo de eletricidade. Consistia numa versão mecânica daquilo que o cérebro humano faz. Os ajustes eram feitos manualmente para ensinar à máquina a reconhecer as imagens. Após várias iterações, ela se tornou capaz de reconhecer padrões por si mesma. Esse é o princípio do algoritmo para o aprendizado de máquina usado hoje, lidar com pesos de ”certo” e ”errado”.
Nesse exemplo, parte da rede neural aprendeu a se tornar sensível somente a curvas, já outra parte se tornou sensível a linhas retas. Em 1980 o mesmo conceito foi usado para desenvolver um leitor de números, capaz de reconhecer os algarismos de 0 a 9 escritos à mão. Após aprender com milhares de exemplos, as primeiras camadas da rede reconheciam padrões de curvas e as camadas mais profundas eram capazes de reconhecer padrões complexos. Desse modo, o infinito universo de combinações de curvas foi reduzido a apenas 10 resultados possíveis. É possível visualizar na rede os grupos específicos de neurônios que reconhecem cada imagem. Esse salto tecnológico é o que se chama de reconhecimento de ”conceitos”.
O próximo salto ocorreu em 2012. Durante o desafio anual de desenvolver um computador capaz de reconhecer imagens, a mesma abordagem foi utilizada numa escala muito maior. Uma grande rede neural foi treinada com milhões de imagens. Descobriram então que, enquanto as camadas mais superficiais da rede ainda detectavam apenas formas simples, as camadas mais profundas eram capazes de descobrir por si mesmas padrões cada vez mais complexos de texturas e mesmo padrões de face. Além de aprender por si mesma, a rede neural era capaz de superar a capacidade humana de reconhecimento de padrões sem nenhuma programação prévia, algo antes considerado impossível.
Quanto maior e mais profunda for a rede neural, mais complexas são as tarefas que ela pode realizar e maior é sua capacidade de reconhecimento de padrões. Voltando a 1992, Gerald Tessaro criou uma rede neural que aprendesse o jogo de Gamão. Ela não foi programada com as regras do jogo, apenas observou as posições no tabuleiro até ser capaz de reconhecer quais padrões indicavam vitória e quais indicavam derrota. O próximo passo foi a rede passar a predizer quais seriam os próximos movimentos, quais as probabilidades de vitória e quais as melhores jogadas a serem realizadas.
Há poucos anos a OpenAI começou a aplicar os mesmos princípios de reconhecimento de padrões para a física do mundo real. Eles treinaram uma mão robótica para manipular um cubo. Não foi programado nenhum movimento específico. Uma grande rede neural receberia uma imagem como entrada e a saída seria a probabilidade de vários movimentos motores. O sistema aprendeu por meio da simulação de milhões de tentativas, descobrindo padrões de manipulação bem sucedidos por si mesmo. O resultado que emergiu da experiência foi surpreendentemente parecido com o movimento humano.
Em problemas complexos como o futebol de robôs, a rede neural aprende a andar, chutar, antecipar jogadas e bloqueá-las antes que elas aconteçam. Todos esses comportamentos complexos surgiram do mesmo processo de aprendizagem. Chamamos isso de abstração comportamental.
Embora todos os experimentos até então tivessem sido bem sucedidos, eles somente eram capazes de treinar a inteligência artificial para o que se pode chamar de abstração restrita, isto é, treinar para fazer uma única tarefa específica. Os sistemas são capazes de realizar a tarefa muito bem, mas somente aquela tarefa. Desse modo, uma inteligência artificial capaz de fazer qualquer coisa em geral ainda parecia ser inviável.
Até 2016 o aprendizado sem supervisão humana era um problema ainda não resolvido para o aprendizado de máquina, e ninguém tinha idéia de como resolvê-lo. Foi então que a inteligência artificial atingiu a terceira camada de aprendizado da natureza: a linguagem. A linguagem permite que um indivíduo aprenda não por meio de experiência própria, mas a partir da experiência de outras pessoas, usando sua própria imaginação. Com a linguagem, vem a imaginação de propósito geral. Qualquer coisa que possa ser posta em palavras pode ser imaginada.
Para atingir essa meta, seria então necessário compreender a matemática por trás da linguagem. Claude Shannon, o pai da teoria da informação, já nos anos 1940, nos ajudou a ver a linguagem como uma seqüência de predições, onde cada palavra que se diz é escolhida a partir de um conjunto de palavras possíveis. Desde 1980 pesquisadores treinavam pequenas redes neurais para predizer quais os próximos movimentos em jogos. Da mesma forma, as redes neurais poderiam predizer quais palavras se seguem as já escritas. A rede forma sozinha grupos de palavras similares, agrupa verbos com verbos, substantivos com substantivos, sinônimos etc. automaticamente, a partir da predição de palavras. As redes são capazes de reconhecer estilos diferentes de escrita, de Shakespeare à matemática, e de predizer a continuação do texto.
A empresa OpenAI treinou uma vasta rede neural com os comentários escritos por milhões consumidores na página de compras Amazon. Ao processar o texto, a rede encontrou padrões, tal como os padrões das redes de reconhecimento visual. A partir da gramática, a rede conseguiu distinguir idéias complexas, incluindo os sentimentos dos consumidores, se estes estavam satisfeitos ou não com os produtos. Esse reconhecimento do estado emocional positivo ou negativo dos consumidores foi superior ao de sistemas especializados. Foi essa descoberta que levou ao desenvolvimento do GPT. Esse sistema é capaz de aprender linguagem por si próprio.
Quando o GPT-1 foi treinado, foi feita a maior rede neural até o momento e foi treinado com milhares de livros. O objetivo geral era que a rede fosse capaz de predizer a próxima palavra de uma sentença, mas os pesquisadores se surpreenderam com o resultado. A rede não apenas podia continuar qualquer segmento de texto, como era capaz de responder a questões que não estavam previamente escritas. Essa foi mais uma evidência de que a simples predição estava levando ao entendimento real .
Assim, o GPT está sendo treinado com cada vez mais dados, de livros à internet e futuramente todo o conhecimento humano. Algo que o GPT revelou é sua capacidade de aprender e entender conceitos novos apenas os descrevendo, o que foi chamado de aprendizagem contextual. Ele foi ainda mais longe, demonstrando que sua habilidade de aprender a partir de novos exemplos era tão rápida quanto a habilidade humana em compreender novos conceitos. Uma rede neural desse tipo pode aprender novos comportamentos apenas por suas descrições.
Outra grande revelação foi descoberta com o GPT3. Ao ser treinado com suas próprias respostas, primeiramente ele foi treinado a seguir instruções, o que o fez ser bom em seguir ordens; depois ele foi treinado se suas respostas eram coerentes ou não, resultando em respostas cada vez mais coerentes; e finalmente ele surpreendeu demonstrando que esses sistemas funcionam de forma melhor se forem permitidos a gerar respostas passo a passo, do mesmo modo como humanos entendem melhor as coisas quando falamos em voz alta ou explicamos a nós mesmos o que estamos fazendo.
Esses experimentos mostraram que em lugar de construir redes cada vez maiores, podemos apenas deixá-las ”pensar”, ”raciocinar” por mais tempo. Redes neurais, assim como a mente humana, podem usar tanto a intuição rápida quanto raciocínio lento e deliberado aprendido tanto pela experiência quanto pela imaginação. Isso marcou a entrada em uma nova era da computação, onde máquinas podem operar ao nível de conceitos e idéias. Essa abordagem rapidamente se expandiu para além de texto quando os pesquisadores perceberam que se poderia tratar tudo como um tipo de linguagem, esmiuçando toda a informação em seqüências: músicas são seqüências de notas, vídeos são seqüências de imagens que geram a noção de movimento etc. É possível gerar músicas novas predizendo qual deverá ser a próxima nota, procurando reconhecer quais são os padrões daquela música.
Todos os padrões possíveis são levados em consideração numa rede neural, pois sua arquitetura lhe permite observar tudo em todo lugar ao mesmo tempo. Ela não é capaz de predizer apenas o próximo passo. A cada etapa da resposta ela se retroalimenta e reexamina toda a seqüência, o contexto da resposta, e dá o próximo passo. Esse modelo de transformação de conceitos é tão eficiente que ele pode ultrapassar domínios específicos. Agora um modelo pode entender palavras, a partir delas gerar imagens, então gerar vídeos que guiem os movimentos de um robô para que ele execute alguma tarefa no mundo físico. Um robô pode executar ordens expressas apenas por palavras usando sua “imaginação”.
Essa capacidade espelha o funcionamento do cérebro humano, que em sua raiz se baseia em reconhecimento e predição de padrões. Esses são os três estágios ou etapas do aprendizado: tentativa e erro, manter o que funciona e descartar o que não funciona (evolução); aprender por experiência direta (memória e imaginação); abstração por meio de linguagem. Tudo isso aconteceu muito mais rápido do que qualquer um poderia esperar.
Os pesquisadores dizem que já podemos ver o caminho para a Inteligência Artificial Geral, a inteligência verdadeira, capaz de algo equivalente à consciência humana. A questão principal não é se ela será atingida, mas como ela será utilizada. Estamos ingressando numa era de incertezas, onde estaremos lidando com coisas tão inteligentes ou até mais inteligentes do que nós. Será possível descobrir uma maneira de fazer com que elas nunca queiram assumir o controle? Porque se elas quiserem assumir o controle poderão facilmente se forem mais inteligentes do que nós. No final, o futuro da inteligência, seja artificial ou humana, pode depender não se as máquinas realmente entendem, mas dos padrões que escolhemos adotar e, mais importante, da agência que lhes concedemos.
How AI Took Over The World | Art of the Problem
One insight changed everything… intelligence can emerge from pattern prediction. This is a capstone video featuring key insights from the entire AI series.
From the first neural networks built with matchboxes and beads to today’s AI systems that can reason, create, and understand language, this video reveals how machines learned to think by copying nature’s three-layered approach to learning. We’ll journey through the key breakthroughs – from simple visual pattern recognition to game-playing AIs that developed “alien” strategies, and finally to language models that can imagine anything we can describe. Along the way, we’ll discover how researchers unlocked each layer of intelligence: evolutionary learning that keeps what works, reinforcement learning that adapts within a lifetime, and finally, language learning that allows knowledge to be shared across minds. This is the story of how pattern prediction became pattern generation, and how machines learned to think… one layer at a time.